Boletim técnico e artigos de opinião

Nesta página serão publicados boletins técnicos escritos por treinadores, preparadores físicos e pesquisadores sobre temas específicos relacionados ao treinamento esportivo. O primeiro texto - abaixo - foi postado pelos preparadores físicos Gustavo Drago e Murilo Drago, do Centro Integrado de Apoio ao Atleta, do Esporte Clube Pinheiros, que abordaram os aspectos relacionados ao treinamento de força na natação.

A visão dos profissionais da preparação física da natação do EC Pinheiros sobre o papel do treinamento de força “fora da água”


Diferentes métodos de treinamento de força, organizados de acordo com distintas concepções metodológicas, notadamente no que se refere aos modelos de periodização do treinamento, propostos na literatura ou mesmo baseados em observações práticas de técnicos e treinadores são utilizados pelas mais diferentes escolas existentes no cenário da natação mundial.

Neste contexto do treinamento de força, a utilização de exercícios/meios que poderiam de algum modo, se aproximar da mecânica do nado, realizados a partir de variados métodos de treinamento, tem crescido de forma significativa, e assim, por conta de sua grande popularidade e apoiados no senso comum de que estes poderiam trazer resultados positivos para o desempenho nas provas de natação, tornaram-se frequentes nas “planilhas de treinamento” dos nadadores.

A ideia de que esses exercícios seriam “específicos” e, portanto, possuiriam elevada transferência para o desempenho no nado, tem gerado muitas discussões, particularmente no que se refere ao papel destes e a real contribuição (transferência) para o desempenho dos diferentes nadadores.

Adicionalmente, também de discute, se efetivamente, uma maior quantidade de exercícios com estas características gerariam resultados superiores a outros métodos de treinamento de força; e por fim, qual seria o momento apropriado para a utilização. Assim, percebe-se que a despeito de uma crescente utilização destes exercícios, pouco se conhece (evidências!) sobre a eficácia e efetividade destes.

A questão da transferência tem sido tratada de maneira bastante diversa. Zatisorsky (1995) a conceituou como sendo uma função do incremento (ganho) na performance (desempenho), dividido pelo incremento (ganho) em um determinado exercício. Desta forma, se hipoteticamente realizássemos um determinado exercício (com suas inerentes características) durante um determinado período de treinamento e mensurássemos os incrementos pré-pós no desempenho e em particulares atributos de força (ex.: 1RM, ou potência e velocidade em um percentual de 1RM, etc.) poderíamos verificar a contribuição daquele exercício/método na variação do desempenho. Esta colocação, por si, já ressalta a dificuldade de se abordar a transferência, já que no mundo real, especialmente no alto rendimento, não teríamos um único exercício ou método sendo realizado isoladamente na preparação.

 Na literatura, a temática em sido alvo de investigação, com distintos delineamentos. Por exemplo, Wilson et al. (1996) observaram que em 8 semanas de treinamento de força utilizando o agachamento como exercício principal, os sujeitos aumentaram 21% da sua força máxima dinâmica, aferida através de um teste de uma repetição máxima no agachamento (1RM). Esta alteração foi acompanhada por um incremento de 21% no salto vertical e de apenas 2,3% no desempenho em um teste de corrida em 40 metros. Este exemplo revela que, se por um lado, o treinamento de força no agachamento, “transferiu” os ganhos de forma ótima para a performance no salto vertical, por outro lado, não induziu melhorias significativas na corrida de 40 metros. Vale ressaltar que os sujeitos testados não eram atletas de alto nível, para os quais, também não se esperariam 21% de incremento de força após 8 semanas de treinamento, e, por outro lado, 2,3% de melhoria no desempenho poderia ser considerado um resultado altamente positivo, com significância prática relevante. Porém, este ainda é outro assunto!



É importante destacar que o critério da especificidade da carga de treinamento e consequentemente uma possível maior transferência dos ganhos em um determinado(s) exercício de treinamento para a performance na prova específica, ainda carece de maior sustentação. Entretanto, de modo geral, há certo consenso de que a mesma deve corresponder-se, na medida do possível, com a dinâmica e o regime de trabalho da atividade competitiva. Este requisito é denominado como princípio da correspondência dinâmica (Verkhoshansky, 1990; Siff e Verkhoshansky, 2000) o qual preconiza a importância da similaridade entre os meios de treinamento e o exercício competitivo. Para os autores, os critérios que deve ser utilizados para a classificação do exercício de treinamento, segundo sua correspondência com a atividade de competição, são: a amplitude e direção do movimento, a região de acentuação da produção de força, a dinâmica do esforço, o tempo de produção da força e o regime de trabalho  muscular.

A despeito da necessidade de uma maior discussão com relação aos atributos e particularmente dos critérios para a classificação da natureza das cargas de treinamento (em um continuum de geral para específico), é razoável assumir que pelos motivos supracitados torna-se difícil considerar que o treinamento de força fora da água seja especifico ou mesmo especial. É quase que auto evidente o entendimento de que as características peculiares do meio liquido, principalmente no que diz respeito ao tipo de resistência oferecida ao atleta, é de difícil reprodução ou aproximação partir de exercícios realizados em terra.

Sendo assim, a simulação da mecânica do nado ao utilizar diferentes equipamentos convencionais como polias, tiras elásticas e halteres não reproduz  as resistências geradas em água, e conseqüentemente, a natureza da aplicação de força.

Exemplificando a problemática em questão, Zatsiorski e Kraemer (2008) citam uma situação prática, sobre um técnico de natação que buscava selecionar exercícios em terra para seus nadadores.

Segundo estes autores, os atletas deveriam realizar a mecânica do nado sobre diferentes resistências.

Primeiramente, eles usavam objetos como tiras de borracha. No entanto durante este exercício, a força de tração aumentava inevitavelmente do início para o fim da tração. Este padrão não é semelhante à braçada habitual. Então, os nadadores utilizaram exercícios com diferentes pesos no aparelho com roldana para tracionar um cabo ligado a uma carga. A resistência foi quase constante durante toda amplitude da tração, mas eles não puderam relaxar seus músculos ao final do movimento. Seus braços foram forçosamente flexionados na direção inversa. Finalmente, os atletas utilizaram aparelhos de força com resistência à base de fricção (ou resistência hidrodinâmica). Esses aparelhos são capazes de fornecer tanto resistência constante, quanto uma resistência proporcional à velocidade de tração, o que imita a resistência da água. A semelhança, no entanto, estava muito longe do ideal; durante a braçada natural, a força da resistência é proporcional ao quadrado dos valores da velocidade da mão em relação à água.

É evidente, que por mais que o treinamento de força fora da água simule a mecânica do nado, o mesmo nunca vai contemplar todos os indicadores necessários relacionado à especificidade da modalidade.

Portanto, o treinamento de força fora da água não deve ter o objetivo de resolver o problema da força na natação, senão o de auxiliar no desenvolvimento do treinamento dessa capacidade, que deve ser desenvolvida em ambiente específico.

Desse modo, para que o treinamento de força fora da água seja eficaz, não é fator mais importante que os meios reproduzam as características especiais do nado. O principal critério, neste caso, é o desenvolvimento do regime global de trabalho muscular. Podemos citar como exemplo, os exercícios de força, como os saltos com barra, estes por sua vez são pouco similares ao movimento da ação da saída. Porém, a execução desse exercício é justificada pela contribuição no aumento da capacidade de trabalho especial dos adequados músculos mobilizados na prática desta ação..

Adicionalmente, os resultados de pesquisas que buscaram observar as adaptações neurais ao treinamento de força, particularmente os realizado através de exercícios com pesos, indicam que a coordenação intermuscular  é um importante componente para a transferência (Young, 2006) sugerindo a necessidade de estímulos específicos no programa de treinamento, evidentemente no momento apropriado da programação.

Apesar da especificidade ser importante, o treinamento de força em terra para nadadores é fundamtnal no sentido de promover um incremento da coordenação intramuscular, da capacidade de recrutamento das unidades motoras que serão envolvidas nas ações competitivas, no aumento na frequência de disparo, na inibição dos músculos antagonistas, na diminuição do risco para lesões dos tecidos moles, entre outras respostas de adaptação decorrentes deste tipo de treinamento, que auxiliarão no processo de treinamento dos nadadores e consequentemente em seus desempenhos.

É importante destacar que para melhorar o desempenho dos atletas torna-se necessária a utilização de meios que não somente reflitam as condições de competição, mas que as também as superem mais especificamente no que diz respeito à força máxima, ao tempo (ritmo) de desenvolvimento da força máxima e à potência dos processos metabólicos que determinam a capacidade de rendimento.
Desse modo podemos concluir que o treino de força fora da água é de grande valia quando bem orientado e realizado de forma, que auxilie os trabalhos de força dentro da água.
Para tanto, os técnicos que procuram desenvolver os trabalhos de força para auxiliar na preparação de seus atletas, devem se atentar a seleção e classificação dos exercícios, e escolher os métodos de treinamento mais adequados ao seu grupo de atletas, considerando apropriadamente os diferentes conteúdos de treinamento ao longo das distintas etapas da preparação.
Vale lembrar, que a organização do conteúdo em diferentes ciclos da preparação tem como objetivo principal maximizar a performance no momento da intervenção alvo (García-Pallarés et al., 2010) e reduzir a possibilidade do aparecimento do fenômeno da interferência (Hickson, 1980). Assim, com o objetivo de incrementar a performance nos esportes nos quais tanto a resistência como a força precisam ser desenvolvidas, uma apropriada manipulação do conteúdo, volume, frequência e intensidade dos exercícios realizados na agua e em terra, deve ser contemplada, a fim de se evitar efeitos negativos dos mecanismos de adaptação divergentes e conflitantes decorrentes destes componentes da preparação.

Neste sentido, a elaboração cuidados da seleção e classificação dos exercícios de força que serão realizados em terra, em conjunto com o trabalho desenvolvido na água tem papel central na otimização da preparação. Este aspecto será considerado no próximo boletim.



Gustavo Drago- Preparador Físico da equipe de natação do esporte clube pinheiros.
Murilo drago- supervisor técnico do centro de integração e apoio ao atleta e Preparador Físico da natação do Esporte Clube Pinheiros.
Email para contato: Gustavo.drago@yahoo.com.br Murilodrago@hotmail.com